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Cenário na indústria de componentes “é de catástrofe”

A afirmação é do presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), José Couto.
04 Abr. 2020
Cenário na indústria de componentes “é de catástrofe”
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A indústria de componentes para veículos automóveis está num cenário "de catástrofe” devido à paragem a que foi forçada pela pandemia de Covid-19. A afirmação é do presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), José Couto, que refere, em entrevista à "Vida Económica”, que é expectável que 95% das fábricas nacionais de componentes fechem esta semana. "Se as expectativas para o ano...
A indústria de componentes para veículos automóveis está num cenário "de catástrofe” devido à paragem a que foi forçada pela pandemia de Covid-19. A afirmação é do presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), José Couto, que refere, em entrevista à "Vida Económica”, que é expectável que 95% das fábricas nacionais de componentes fechem esta semana. "Se as expectativas para o ano 2020 já não eram famosas em termos de crescimento, agora são catastróficas, porque se espera uma queda, no melhor cenário, de 30% na produção de veículos, logo, isso significaria uma perda de faturação das empresas de componentes portuguesas de 3,5 mil milhões de euros”, indica o presidente da AFIA. Quanto ao futuro, José Couto salienta que o setor tem de estar atento para manter-se capaz de "incrementar a produção, as exportações e recuperar o emprego”.

Como está a necessidade de isolamento social devido à pandemia de Covid-19 a impactar nas associadas da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA)?

José Couto – Prevalece a questão sanitária e a saúde da comunidade, como é evidente, mas o tempo de paragem da atividade produtiva vai ter consequências graves e, em muitos casos, destruir o que demorou muitos anos e gerações a construir. É transversal a todo o tecido económico. Falando na indústria de componentes para veículos automóveis, o cenário é de catástrofe. As empresas trabalharam até onde foi possível. Enquanto tiveram encomendas, foi possível manter a atividade produtiva, assegurando as condições de higiene e segurança e executando os planos de contingência interna. Com a paragem na Europa – maior cliente dos fabricantes portugueses – de todas as fábricas de produção automóvel e dos seus fornecedores de primeira e segunda linha, as empresas começaram a encerrar e é expectável que 95% possam fechar na presente semana.

Isto terá um efeito dramático nesta indústria, para as empresas e para os trabalhadores, porque, pelos nossos cálculos, neste início do mês de abril a queda de encomendas chegará a 90%. Tendo em conta o contributo destas empresas para a economia nacional, pelo seu perfil exportador – representam 16% das exportações nacionais de bens transacionáveis –, pela capacidade de criação de valor e porque 8% dos empregos da indústria transformadora são sua responsabilidade, logo a interrupção da produção é um abalo sério para a economia nacional.

Este é um problema de toda a Europa, onde o cluster da indústria automóvel tem um peso relevante, que emprega cerca de 14 milhões de trabalhadores e onde se espera uma enorme destruição de empregos. Se as expectativas para o ano 2020 já não eram famosas em termos de crescimento, agora são catastróficas, porque se espera uma queda, no melhor cenário, de 30% na produção de veículos, logo isso significaria uma perda de faturação das empresas de componentes portuguesas de 3,5 mil milhões de euros.

Há empresas em risco?

JC – Não temos qualquer dúvida que haverá empresas que não conseguirão ultrapassar esta tempestade.

Considera satisfatórias as medidas anunciadas pelo Governo para apoio às empresas do setor?

JC – Não podemos dizer que não estamos de acordo com as medidas, de forma geral concordamos com o plano apresentado pelo Governo. Houve uma preocupação clara de intervir rapidamente, por encontrar medidas que protegessem os rendimentos dos trabalhadores e que acautelasse a capacidade de as empresas poderem financiar o impacto imediato e o processo de retoma. Contudo, a indústria de componentes tem especificidades, que exigem ações dirigidas. Como a AFIA tem referido, as empresas têm necessidade de investir para se modernizar e responder à exigência da competitividade. Assim, são obrigadas a manter um alto nível de investimento – 19% do investimento da atividade da indústria transformadora –, o que se traduz num conjunto de obrigações contratadas e com a interrupção da produção estão em risco de serem cumpridas, ao que é preciso juntar a capacidade de estarem aptas, estarem prontas, a encetar o processo de retoma da produção. Assim como temos dito, saudamos as medidas, mas julgamos que para o setor deverão ser encontradas medidas adicionais em consonância com o que os nossos parceiros europeus e concorrentes estão a fazer. Ficar para trás nesta fase é não garantir empregos e perder oportunidades de nos mantermos na linha da frente da atividade produtiva do cluster automóvel.

Que medidas adicionais defendem?

JC – A AFIA já referiu que está disponível para dialogar com o Governo e encontrar um modelo, um conjunto de medidas, que esteja para lá do apoio imediato, mas que aponte para lá deste momento, que seja uma solução para não só ultrapassarmos esta fase, mas para promover modelos de desenvolvimento integrados, sob pena de redução drástica dos investimentos e encerramento de empresas ou unidades de produção, o que terá graves consequências, ainda de difícil avaliação em termos económicos e sociais.

Já têm previsões do impacto desta crise na produção (e faturação) de componentes para automóveis em Portugal em 2020?

JC – A AFIA, através das consultas que tem realizado junto dos seus associados e através da CLEPA [Associação Europeia de Fornecedores para o Automóvel], tem monitorizado a evolução da produção nacional e verificado a evolução no espaço europeu. O que é possível desde já garantir é que a produção paralisa quase totalmente este mês de abril. Dizemos quase totalmente porque a atividade iniciou na China e na Coreia, as OEM [fabricantes] iniciaram a produção e retomaram as encomendas e isto pode significar, mais ou menos, 10% da atividade normal. Foi registada uma queda de produção, por via das encomendas, de 50% no mês de março e agora as empresas reportam-nos uma queda para o mês de abril de cerca de 90%, havendo que salientar que muitas das empresas, por não trabalharem apenas para o automóvel, poderem ter ainda ocupação residual.

Contudo, o que temos como referência neste momento é uma expectativa de queda significativa do consumo que pode levar a uma diminuição de produção por volta de 30% no ano de 2020.

2021 poderá ser mais animador?

JC – As entidades europeias que se dedicam ao estudo da atividade económica têm manifestado uma opinião convergente: primeiro, que nada será igual daqui para a frente, porque os consumidores deverão alterar o seu comportamento e também haverá um processo longo de retoma da confiança; segundo, haverá uma aceleração da introdução de novos produtos, em linha com as obrigações e opções ambientais; terceiro, que a indústria atravessará um período de grandes dificuldades até ao primeiro trimestre de 2021. Neste caldo de adversidades e oportunidades teremos de estar atentos para nos mantermos como parceiros capazes de incrementar a produção, as exportações e recuperar o emprego.
Fonte:Vida Económica
Autor: Aquiles Pinto
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